22 julho, 2009

Reflexões sobre a dor de Saramago

O artigo de Saramago falando de sua dor diante do sofrimento dos timorenses me fez chorar e, ao mesmo tempo, pensar que esse grande escritor português, ao expressar sua indignação pelo crime infame praticado contra o povo do Timor Leste, expressou também a minha dor diante dos crimes infames diariamente praticados contra centenas de pessoas em nosso país.
Também me indignei quando vi a cena do assalto do estudante paulista com seu violão, jogado de um trem em movimento em São Paulo. Lembro-me da expressão de dor no rosto de sua irmã ao ser entrevistada logo depois desse crime bárbaro. A prática de crimes dentro dos trens de São Paulo, o assalto às crianças na saída das escolas, o estupro de meninas, a prostituição infantil, a execução do Juiz de Mato Grosso, a falta de segurança nas grandes cidades, a rebelião da FEBEM e a trágica morte de um de seus funcionários, a fome e a miséria, a falta de probidade na administração pública, o nepotismo, a destruição da saúde física e psíquica de milhares de jovens pelo uso de drogas, a indiferença e a surdez das autoridades administrativas frente a essas mazelas, as mortes em acidentes de trânsito em conseqüência de embriaguez ao volante, a insegurança dentro das escolas, o desrespeito aos professores pelos governantes, o descaso com a saúde, a dor e a desesperança dos desempregados, a apatia da elite e, ainda, o vazio existencial daqueles que se preocupam tão-somente com a aquisição de bens materiais e com a beleza exterior, me fazem entender a dor de Saramago, porque a sinto com a mesma intensidade diante do quadro caótico em que vivemos neste final de século.
E como ele indago: Importa que eu, como ele, me sinto humilhada e ofendida com os crimes praticados contra nossos conterrâneos? Acredito que importa a muitos, todavia, a maioria ecalca a sua dor e indignação, outros a anestesiam e há, ainda, aqueles que não a sentem. Preciso me fortalecer a cada dia e o texto de Saramago me energiza e fortalece, eis que através de suas palavras vindas de Portugal, concluo que seu conterrâneo Fernando Pessoa tinha razão ao afirmar que: "tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Quando não aceito o tratamento dispensado aos estudantes, aos velhos e aos doentes, em especial, aos ditos "loucos" parece que minhas palavras não encontram eco. Quando denuncio em meus escritos jurídicos que há nepotismo na universidade pública, que há graves irregularidades nos concursos públicos, inclusive, nos concursos vestibulares, quando afirmo que o ensino transformou-se em mercadoria, que milhares de crianças passam fome, muitos acreditam, mas poucos tomam medidas efetivas em busca de soluções exeqüíveis para acabar com essa mancha que macula nossa dignidade de cidadãos.
O artigo sobre a dor de Saramago e sua sensibilidade ali transbordante, me inspira e anima. Quando ele diz: "que importa que um escritor acuda agora a protestar utilizando as palavras, que muitos tratam de silenciar por estarem mais preocupados com seus interesses presentes e futuros do que com o sangue que corre e com as vidas que se perdem?"
A dor maior advém do fato de sentir que em nosso país e para a maioria dos governantes nada disso parece ter importância, porque os banqueiros, os empreiteiros, as multinacionais estão indo muito bem aqui em nosso país e, se continuarmos nessa apatia, continuarão sugando, como vampiros, todo o patrimônio público - amealeado com o suor e o sangue de nossos antepassados – e, ainda, insatisfeitos, os vampiros continuarão sugando a vida de milhares de brasileiros vítimas da incompetência e da falta de probidade das autoridades administrativas. Também, como Saramago, quero indagar se têm ainda honra nossos representantes em todos os níveis da administração pública, se têm honra ainda, e quantos a tem? Aproveito o exemplo de Saramago para como ele indagar: Quando terá fim a hipocrisia daqueles que mandam? E a inércia daqueles subjugados, quando terminará?
Mas quero dizer mais. Quero perguntar até quando os desonestos, os canalhas, os vendilhões da pátria e os demagogos continuarão a lesar os cofres públicos para desviar os recursos dos impostos destinados à saúde, à educação e à segurança para rechear suas contas no exterior e alimentar a ganância dos banqueiros e empreiteiros?
Penso que somente quando a dor e o sofrimento dos brasileiros causarem em cada um de nós, indignação e dor, assim como a dor do povo timorense indignou e fez chorar o escritor português José Saramago.
Cada um de nós tem responsabilidade pelo caos em que se encontra nosso país, portanto, há que fazer uma profunda reflexão sobre as lições de Saramago, para condenar aqueles que estão violentando a vontade de independência do povo do Timor Leste e aqueles que, em nosso país, estão desrespeitando os direitos fundamentais de vida digna do povo brasileiro.
Publicado em 22 de dezembro de 1999, na Gazeta Mercantil

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