21 agosto, 2009

Revalidação de Diploma (continuação)

É inadmissível, ilegal e imoral cercear o direito ao trabalho de médicos com diploma estrangeiro no Brasil, quando é notório que cidadãos de todas as idades são privados de atendimento médico quando mais necessitam . A sociedade brasileira sabe que os mais humildes aguardam meses para ter direito a uma consulta com especialista ou permanecem em filas durante a madrugada ( muitas vezes morrem nas filas ) a espera de um atendimento.
Diante desse quadro de insensatez e falta de humanismo daqueles que dificultam a revalidação de diplomas de médicos formados no exterior, mesmo sabendo da excelente e comprovada qualificação dos médicos formados na Argentina, Uruguai, Bolívia, Cuba, Espanha, Inglaterra e outros países resta exigir que as garantias da Carta Magna sejam asseguradas pelo Poder Judiciário.
Os brasileiros ou estrangeiros graduados em Medicina no exterior estão sendo vítimas de abuso de poder/direito das autoridades administrativas de várias universidades públicas, especialmente dos membros das Comissões de Graduação das Faculdades de Medicina dessas universidades.
É notório que há deliberada intenção dos membros das comissões designadas para avaliação dos pedidos de revalidação – em todo o país – de burlar a Lei de Diretrizes e Bases para limitar o ingresso de médicos com diploma estrangeiro no mercado de trabalho.
Há absoluto desvio de poder das autoridades administrativas responsáveis pela revalidação de diplomas estrangeiros.
Em 2002 o Conselho Nacional de Educação emitiu a Resolução n° 01/2002, na tentativa de coibir os abusos praticados contra os profissionais com diploma estrangeiro.
Como se vê, o cidadão com diploma estrangeiro na área médica é quase um cidadão sem direito algum em nosso país.
Não fora o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal, esses profissionais estariam condenados a permanecer sem direito ao trabalho na área de sua formação, porque o Conselho Federal de Medicina não quer aumentar o número de profissionais em seus quadros sob o vazio argumento de que existe número suficiente de médicos para a demanda da população.
O procedimento das autoridades dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina está a merecer reprimenda do Poder Judiciário porque fere o Código de Ética Médica, com prejuízos aos médicos e à sociedade carente de atendimento, especialmente nas regiões mais pobres.
A situação está se tornando cada vez mais grave, portanto impõe-se que esses conflitos sejam solucionados pelo Poder Judiciário, com base no espírito da LDB e nos fundamentos e princípios constitucionais que asseguram a todos o Direito ao Trabalho e o respeito à Dignidade da Pessoa Humana.
A questão há de ser examinada à luz de fundamentos e princípios constitucionais ínsitos nos artigos 1°, 3°, 4°, 5°, 6° e 37, da CF.
Assim, com base nos fundamentos e princípios da Lei Maior, é inaceitável que um profissional com diploma estrangeiro possa ser tratado como marginal pelos agentes públicos das universidades e dos conselhos de medicina – o tratamento desumano dispensado aos médicos com diploma estrangeiro caracteriza grave afronta aos princípios que devem nortear os atos dos servidores públicos (Lei n° 8.112/90) e afronta ao Código de Ética Médica.
Há que considerar que os tratados, normas resoluções pareceres da OIT, ONU, das Cortes Internacionais coíbem qualquer tipo de abuso aos cidadãos independentemente de nacionalidade no que diz respeito a Direitos Humanos e Direito ao Trabalho. Existe enorme preocupação das Cortes Internacionais com relação ao Direito ao Trabalho dos cidadãos migrantes, fronteiriços, aos Médicos sem Fronteiras, conforme comprovam as matérias em anexo.
A universidade não pode emitir normas internas contrárias à legislação federal que regula a matéria, para atender às “diretrizes” emanadas do Conselho Federal de Medicina, órgão de fiscalização do exercício profissional, que não detém competência para “legislar” em matéria de educação.
Prova de que a universidades públicas estão submetendo-se a normas ilegais emanadas do Conselho Federal de Medicina é o Ofício n° 100/03 – COMGRAD/MED, em anexo, no qual a Vice-coordenadora da Comissão de Graduação da Faculdade de Medicina da UFRGS admite que os pareceres dessa comissão estão sendo proferidos com base nas DIRETRIZES PARA REVALIDAÇÃO DE DIPLOMA DE MÉDICO OBTIDO NO EXTERIOR, do Conselho Federal de Medicina, de 08 de janeiro de 2003.
Nessa mesma linha de raciocínio o eminente Procurador Federal CLÁUDIO DUTRA FONTELLA, do Ministério Público Federal de Santa Catarina, emitiu a Recomendação n° 007/2003, no sentido de que a Reitoria da UFSC respeite o princípio da legalidade, sob pena de seus agentes serem responsabilizados civil, penal e administrativamente, onde se lê:

“(...)
Recomenda-se ao Reitor da UFSC e ao Presidente do Colegiado do Curso de Graduação em Medicina, bem como aos seus subordinados, que cumpram integralmente o teor da Resolução nº 01/2002 do CNE/CES no julgamento dos pedidos de revalidação de diplomas estrangeiros, sob pena de responsabilização dos envolvidos nas esferas cível (Art. 11 da lei 8.429/92), administrativa (Art. 116, III da Lei 8.112/90) e criminal (Art. 319 do Código Penal).”

A legislação que regulamenta a matéria é bem clara quanto aos procedimentos a serem seguidos pelas Universidades, mas estas, em flagrante ilegalidade, atendem às disposições dos Conselhos de Medicina e das Associações Médicas, ferindo frontalmente a legislação federal.
A legislação federal em vigor – Lei n° 9.394/96 – é clara no sentido de prever o respeito a acordos internacionais.
A revalidação é dispensável nos casos previstos em acordo cultural entre o Brasil e o país de origem do diploma, subsistindo, porém, a obrigatoriedade de registro, quando este for exigido pela legislação brasileira.
Os estudantes que concluiram a graduação em Medicina na República de Cuba, país signatário de acordo internacional com o Brasil possuem garantia constitucional de revalidação de seus diplomas , tendo em vista o disposto na Lei nº 9.394/96 que estabelece normas para a revalidação de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior, sendo que as universidades revalidantes deverão fixar normas específicas para disciplinar o processo de revalidação ajustando-se ao estabelecido na referida Resolução.
Assim o teor da Resolução:
“(...)
Art. 1º Os diplomas de cursos de graduação expedidos por estabelecimentos Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e Caribe, cujo texto foi aprovado pelo Decreto Legislativo n° 66/77 e promulgado pelo Decreto Presidencial n° 80.419/77, que determinou sua execução e integral cumprimento no Brasil.
Entretanto, posteriormente, por meio do Decreto Presidencial n° 3.007/99, o Decreto n° 80.419/77 foi revogado, ainda que muitos julgadores e doutrinadores entendam que somente uma norma de igual ou superior hierarquia poderia revogar matéria que foi devidamente ratificada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo Presidente da República. Tendo portanto, adquirido status de lei ordinária no ordenamento jurídico brasileiro, por força do art. 5°, § 2°, da Constituição Federal, sua revogação deveria ser operada por norma situada no mesmo plano hierárquico. A prosperar esse entendimento, o Decreto Legislativo nº 66/77 estaria em plena vigência.
Admitindo-se a revogação do Decreto n° 80.419/77 pelo Decreto n° 3.007/99, ainda assim, estaria a autora amparada pela Convenção Regional da América Latina e Caribe, eis que ingressou na universidade durante a vigência da legislação citada.
Nos termos do art. 2°, V, daquela Convenção, entre os vários objetivos concernentes ao ensino superior, destaca-se o de proceder ao reconhecimento imediato de estudos, diplomas, títulos e certificados para fins acadêmicos e de exercício de profissão.” (grifamos)
Em relação ao direito à revalidação automática dos diplomas de médicos brasileiros ou estrangeiros que cursaram a graduação durante a vigência do Decreto n° 80.419/77, em um dos países signatários da Convenção da América Latina e Caribe, a matéria já está se pacificando nos tibunais .
Pede vênia para transcrever voto do Eminente Desembargador Federal Luiz Carlos Lugon de Castro, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n° 2005.72.00.002221-8:
“Com toda a vênia, ouso divergir da solução emprestada por V.Exa.
Não consigo vislumbrar, na hipótese, em face da existência de um acordo internacional, possibilidade de discernimento fundado exclusivamente na nacionalidade. O fato de ter nascido em Cuba, o fato de ter nascido no Brasil, o fato de já estar em Cuba, o fato de ter ido para lá não representa discrime dentro de uma ótica de todos-são-iguais-perante-a-lei. Não há nem pressuposto fático que autorize essa discriminação. Por outro lado, ainda que revogando posteriormente o Decreto 80.419, o fato é que esse decreto estava em vigência, havia direito adquirido, consolidado, pelo menos aquilo que se pode dizer de direito expectativo e não mero expectativa de direito. Então, em face disso, é impositivo constitucional primeiramente que se dê tratamento isonômico; em segundo lugar que a Nação cumpra a sua obrigação que assumiu em pleno exercício da soberania e respeite esse direito adquirido.
Então, com base nesses argumentos e mais aqueles que já foram explicitados tanto na tribuna quanto na cuidada sentença eu estou negando provimento ao apelo.”
Trata-se de matéria controvertida apenas na esfera administrativa, perante as universidades públicas brasileiras, uma vez que pacífica perante o Poder Judiciário, eis que os Tribunais Regionais Federais das cinco regiões têm confirmado a existência do direito adquirido em casos idênticos ao da autora, conforme comprovam a decisão abaixo transcrita.

:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.00.002221−8/SC
RELATOR : Des. Federal EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR
APELANTE : UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA − UFSC
ADVOGADO : Antonio Marcos Guerreiro Salmeirão
APELADO : MARIA DEL CARMEN SALCEDO CABRERA
ADVOGADO : Marise Gomes Siqueira e outros
EMENTA
ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR OBTIDO
NO EXTERIOR.
1. Muito embora tenha sido revogado o Decreto nº 80.419/77 pelo de nº 3.007/99, a autora−apelada está amparada pelo direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da Constituição Brasileira de 1988), tendo direito ao registro automático de diploma de curso superior no exterior.
2. Apelação improvida.
Nenhuma dúvida paira acerca da interpretação do disposto na LDB (Lei n° 9.394/96), em seu art. 48, § 2° e na Resolução nº 01/2002 CNE/CES, em seu art. 2°, parágrafo único, que são claras ao estabelecer que o diploma obtido no estrangeiro deverá ser reconhecido por Universidade Pública, respeitando os acordos internacionais em vigor.
Resta claro que os óbices estão sendo criados pelo Conselho Federal de Medicina e Conselhos Regionais de Medicina – a quem não cabe intervir em questões educacionais, mas tão-somente fiscalizar o exercício da profissão. Resta claro, também, que as Universidades Federais na verdade estão violando a LDB e, desta forma, ao invés de atender aos interesses dos profissionais com diploma estrangeiro e do próprio MEC, que estipulou o sistema para revalidação de diplomas, está agindo para atender interesses corporativos dos médicos.
A “Declaração de Bruxelas II”, sobre direitos humanos e liberdade individual dos médicos, adotada pela 37º Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em Bruxelas, outubro de 1985, precisa ser respeitada pelos médicos brasileiros e sua entidade de classe , sob pena de cacterizar-se odiosa discriminação ao médicos portadores de diploma estrangeiro .
Assim dispõe a referida Declaração:
DECLARAÇÃO DE BRUXELAS II
SOBRE DIREITOS HUMANOS E LIBERDADE INDIVIDUAL DOS MÉDICOS
(Adotada pela 37ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em Bruxelas, Bélgica, outubro de 1985)
A Associação Médica Mundial é favorável à igualdade de oportunidades em atividades nas sociedades médicas, educação médica, treinamento, emprego e em todos os outros aspectos que favoreçam os profissionais médicos, independente de raça, cor, religião, credo, filiação étnica, nacionalidade, sexo, idade ou filiação política.
A Associação Médica Mundial é inalteravelmente contrária à negação de privilégios e responsabilidades em associações médicas nacionais para qualquer médico registrado por causa de raça, cor, religião, credo, filiação étnica, nacionalidade, sexo, idade ou filiação política.
A Associação Médica Mundial conclama a profissão médica e todos os sócios individuais de associações médicas nacionais para empenhar todo esforço no sentido de evitar que em qualquer instância sejam negadas a igualdade de direitos, os privilégios ou as responsabilidades, e afirma que a 37ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial reunida em Bruxelas, Bélgica, em outubro de 1985, mantém sua adesão por meio destes princípios.

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