12 agosto, 2012

Brasil, um caos jurídico

Poderá parecer utopia , mas eu tenho um sonho que pretendo realizar: elaborar  um projeto de lei para criação do Código de Direito Administrativo com o objetivo  de  organizar o caos  existente nos municípios, estados, união, autarquias, universidades públicas... em matéria de direito administrativo. No Brasil existe um emaranhado  de leis, decretos, resoluções, normas , regimentos , portarias em vigor para disciplinar as relações entre os cidadãos e a administração pública. Todos legislam a seu bel prazer e muitos em seu próprio benefício. Exemplo notório desse caos administrativo pode ser comprovado nas universidades públicas com a edição de resoluções para seleção de vestibulandos,  nos concursos para ingresso no magistério de nível superior e, nos processos  de  revalidação  de diplomas estrangeiros.   Em situações idênticas  as  normas  variam de estado para estado e  de universidade para universidade, conforme o interesse momentâneo do administrador.
Cita-se como exemplo o caso de um  médico portadora de diploma estrangeiro  que recebeu respostas diferentes de dez  universidades publicas , cada uma justificando a negativa de revalidação por motivos absolutamente diferentes . É  uma loucura viver  num país assim como dizia Voltaire. Também é uma loucura advogar num país assim, sem Código de Direito Administrativo e tendo que decodificar   normas  e  critérios subjetivos de avaliação  (criadas  com a deliberada intenção de beneficiar determinados candidatos )  para defender o direito  dos injustiçados junto ao Poder Judiciário .
A  História ,  mestra da vida , ensina que na França de Napoleão esse caos motivou o imperador a criar o Código Civil Napoleônico  que se espalhou pela Europa e até hoje serve de modelo e inspiração aos estados democráticos.
Resta a esperança de que os legisladores brasileiros   inspirados no exemplo de   Napoleão criem o Código de Direito Administrativo para  colocar ordem no caos existente nas instituições brasileiras , especialmente, nas universidades públicas onde alguns ‘ iluminados ‘ legislam sem respeitar os princípios da Carta Magna.

Wanda Siqueira

Leia:
O Código Napoleônico, a moderna Bíblia civil
No dia 21 de março de 1804, após quase quatro anos de reuniões e discussões, entrou em vigor na França um novo código civil: o Código de Napoleão. Ele sedimentou e deu forma jurídica às principais conquistas da revolução de 1789, servindo deste então como modelo e inspiração a que nos dias de hoje, mais de 70 estados espalhados pelo mundo acusem sua influência direta. O historiador Albert Soboul viu no Código "a revolução francesa organizada".


França, um caos jurídico

"Minha verdadeira glória não foi ter vencido quarenta batalhas; Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias; o que ninguém conseguirá apagar, aquilo que viverá eternamente, é o meu Código Civil."
Napoleão Bonaparte - Memorial de Santa Helena
Voltaire, que conhecia o reino dos Luíses como a palma da mão, dizia que era uma loucura haver na França, desde tempos imemoriais, uma lei diferente em cada lugar. O que passava por verdade numa cidade, não era na outra. Era uma loucura um cidadão viver num país assim. Parecia, disse ele, que viajando pelo reino, trocava-se de código como se trocava os cavalos das diligências. Algum dia teria que imperar a razão.
De fato, a velha França não somente era um mosaico de códigos que se sobrepunham (havia 366 nas vésperas da Revolução de 1789), como estava dividida entre dois sistemas jurídicos muito diferentes. No Sul do país, especialmente na bela e ensolarada Provence, resultado da proximidade com a Itália dos césares, ainda mais reforçada pela longa presença papal em Avignon (ao longo do século XIV), o sistema jurídico vigente derivava da Lei Romana e da Canônica. No Norte, ao contrário, o que circulava era o direito costumeiro trazido pelos Francos vindos da Alemanha. Juridicamente não havia uma nação, mas um grande retalho formado de procedimentos feudais, leis derivadas do direito canônico e do direito romano que se misturavam aos decretos reais.
O próprio Luís XIV que acreditava ser o estado em pessoa (l'État c'est moi), sentiu necessidade de dar uma uniformidade aquele caos, instituindo, em 1665, uma comissão que terminou por não ir a diante. Até Rei Sol, com o todo o seu poder quase cósmico, viu-se obrigado a recuar frente aquela selva de códigos que cobriam o reino como se fora uma rede medieval. A Revolução de 1789 retomou-lhe a bandeira. A nova França tinha que ter uma legislação uniforme válida para todos os departamentos e para todo o francês. As luzes, por fim, deviam alcançar as velhas tábuas da lei. O primeiro projeto neste sentido foi apresentado em 1791, por J.J. Cambacérès (que mais tarde viria a ser o Segundo Cônsul, subordinado a Napoleão).


O Primeiro Cônsul realiza

Todavia os revolucionários viram que era mais fácil mudar o calendário (o Calendário Republicano criadonapoleo_2 pelo poeta por Fabre D'Englantine, em 1793, e tornado oficial a partir de então), fundar uma nova religião (o culto à Razão, de Hérault de Séchelles, de 1793), e introduzir uma máquina de execuções igualitária (a guilhotina, que entrou em funcionamento em 1792), do que enfrentar o cipoal jurídico que herdaram, ainda mais impenetrável por efeito dos 14 mil decretos produzidos pelos revolucionários. Além disso, a revolução viu-se atacada de todos os lados: além da ameaça de uma invasão estrangeira, dedica na batalha de Valmy, em 1792, estourou em 1793 a guerra civil da Vendéia, consumindo as energias nacionais na defesa da república recém proclamada. Não havia paz para pensar-se num código, qualquer que fosse.
Tiveram que esperar a espada do Primeiro Cônsul (1799-1804) para que os procedimentos tomassem corpo. Em 12 de agosto de 1800, Napoleão formou um Conselho de Estado chefiado por J.J. Cambacérès (o Segundo cônsul e seu homem de confiança), com a função de supervisionar a Comissão encarregada do Código, indicando o jurista Tronchet para presidi-la. Ao lado dele atuou Bigot de Préameneu e Portalis, redator do discurso preliminar. Os cinco grandes princípios jurídicos que presidiram sua redação foram:


A súmula do código

Pelo Código de Napoleão, ele, o cidadão, inteirava-se que não havia mais ninguém que pudesse requerer privilégios devido ao sangue ou ao nascimento nobre. Os franceses eram iguais aos olhos da lei. O Estado separava-se da Igreja, e doravante cada um podia escolher o caminho para céu que melhor lhe aprouvesse, como abraçar a profissão que bem quisesse. Para minar a transmissão das terras pelo princípio da primogenitura adotado pelo costume aristocrático, os filhos agora tinham direitos iguais à herança paterna e o casamento somente adquiria legitimidade em frente a um juiz de paz. Napoleão, seguindo a doutrina liberal, pôs fim ao conceito religioso do enlace sagrado substituindo-o pelo contrato de casamento. A figura importante do matrimônio, além dos nubentes naturalmente, deixou de ser o pároco e o altar para vir a ser o notário e o cartório. Casar-se tornou-se "un affair d'argent" (um negócio de dinheiro). Por conseguinte, reduzido o casamento a um ato secular regulamentado pelo Estado, o divorcio foi legalizado. A lei do Estado substituía, por assim dizer, a lei de Deus (*).
Nas questões familiares, Napoleão deixou-se levar pelo seu lado italiano. Como na Roma Antiga, o pai era tudo - era o pai patrão. Além de tutelar a mulher e a filha, até encarcerar um filho por seis meses ele podia. E se este manifestasse o desejo de se casar, tinha que ter a licença paterna, ainda que com 25 anos de idade.


(*) Honoré Balzac satirizou essa nova situação do casamento resultar de um contrato na sua novela Le Contrat de Mariage (1835), quando contrapõe o terno encontro amoroso dos noivos numa sala e a feroz reunião dos dois notários que os representavam na outra peça da casa.



Um novo indivíduo

napoleo_3Dois terços do código reservou-se à razão de ser do burguês na terra; a propriedade. O Código libertou-a das teias feudais e protegeu-a do estado, dizendo-a anterior a este. Entendeu-a em suas múltiplas formas facilitando-lhe a posse e a venda. O cidadão era o indivíduo e seus bens. A sociedade das obrigações feudais (do vassalo para com o suserano, do servo para com o senhor) foi definitivamente substituída pela moderna sociedade do contrato (estabelecido entre indivíduos livres, dotados de autonomia). A velha ordem estamental baseada na herança e nos direitos de sangue foi definitivamente suplantada pela sociedade de classes afirmada no mérito e no talento individual. A exacerbação do individualismo existe no Código deve-se à necessidade de afirmar sua total independência frente aos poderes que o prendiam ao passado, quando ele submetia-se à vontade do nobre, do padre, e da corporação ou grêmio profissional a que pertencia.


O Código foi a concretização de uma dupla expectativa do Iluminismo: fazer com que as leis fossem submetidas a uma ordenação determinada pela razão (desejo de Montesquieu) e obra de um déspota ilustrado (como esperava Voltaire).



Num amplo descortino do futuro, Napoleão pensou em estender o seu código por toda a Europa dominada por seus exércitos. Mesmo depois quando ele caiu em Waterloo, em 1815, mantiveram o código, denominando-o apenas como Código Civil.




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