26 dezembro, 1998

Um reflexão sobre as emoções ambivalestes suscitadas pelo Natal

O Natal suscita emoções ambivalentes em crianças e adultos, idosos, ricos e pobres. Nas semanas que antecedem a noite de natal, as pessoas recorrem mais aos terapeutas e aos advogados, em busca de ajuda para seus problemas e conflitos, agravados nessa época ao nível do insuportável.
A festa natalina desperta emoções recalcadas ao longo da vida, afloram sentimentos de tristeza, culpa, solidão e nostalgia, misturados com sentimentos de amor e solidariedade, fazendo com que as pessoas sintam-se profundamente tristes e deprimidas.
Cabe aos profissionais que lidam com essas questões a responsabilidade de conduzi-las com muita habilidade para verdadeiramente ajudar quem os procura.
O aconselhamento não basta, faz-se necessário uma profunda reflexão, para que haja mudança interior. Cada um dos membros da família deve fazer a sua parte, eis que via de regra não existem culpados, existem vítimas.
As queixas mais freqüentes no Direito de Família são: atraso no pagamento da pensão alimentícia, desentendimento em relação a quem tem o direito de passar o Natal com os filhos, abandono de lar, agressões físicas e verbais, consumo de drogas, acidentes de carro e, o mais grave de todos – filhos querendo rever ou saber quem é o seu pai.
Para todas essas questões existe um remédio jurídico, a ser ministrado com muita cautela. Em situações extremas o advogado pode requerer a prisão do pai que está em atraso com o pagamento da pensão alimentícia, pode ingressar com medida cautelar de separação de corpos, com ação de investigação de paternidade, mas será que é esse o melhor caminho e o melhor momento?
O sucesso legal consiste em não obter uma vitória de Pirro, vale dizer, sucesso econômico com perdas humanas e pessoais devastadoras. No mês de dezembro o ser humano fica mais sensível (pais, filhos, cônjuges, companheiros, amigos...), meio que paralisado pelo conflito violento provocado pelas emoções que o oprimem e que insistem em mostrar sua verdade à revelia do eu, como pensamento inconsciente.
O Natal é uma festa essencialmente da família, por essa razão evoca lembranças da infância, do Papai Noel que não veio, das alegrias e tristezas de um passado que não volta, evoca, ainda, saudade dos pais , dos avós, dos irmãos pequenos (hoje de cabelos brancos).
É, portanto, natural e humano questionar-se sobre as relações de afeto.
Será que essas relações são gratificantes, tanto quanto gostaríamos que fossem? Será que somos amados tanto quanto gostaríamos de ser? Essa é nossa grande angústia, como que um eco da primeira angústia, a do nascimento, cuja ressonância se reitera ao longo de nossa vida, intensificando-se no Natal.
Nos últimos cinqüenta anos, a sociedade ocidental passou por transformações profundas e rápidas, dentre elas a fragmentação da velha organização familiar do tipo patriarcal. Se de um lado somos mais livres e independentes, de outro lado estamos mais desprotegidos, a extinção da família patriarcal deixou um vazio, que se torna mais intenso por ocasião do Natal.
Esse vazio leva os cônjuges a buscar assistência legal, na medida em que é condição ‘sine qua non’ para encaminhar separação, fixar pensão alimentícia, fazer partilha de bens.
Mas, na verdade, a assistência deve ser psicolegal, a situação não pode ser resolvida no mero ato legal, principalmente quando o problema vem à tona às vésperas do natal, oportunidade de reencontros, de presença de pais.
O principal objetivo do advogado empenhado em uma separação é a proteção dos interesses jurídicos das partes e dos filhos, todavia, não pode esquecer dos conflitos emotivos e dos problemas psicológicos presentes nessa difícil experiência que se faz muitas vezes absolutamente necessária, mas que pode ser adiada para o início do ano, para proteger as crianças do trauma da separação, exatamente quando queremos propiciar momentos de alegria, de afeição e de amor.
ão cabe ao advogado, nem ao psicoterapeuta, dizer se este é o momento certo para solucionar antigos conflitos, cabe a ambos, ajudar a quem os procura, lembrando F.Nietzsche "Não é na maneira como uma alma se aproxima da outra, mas na maneira como se afasta, que reconheço seu parentesco e afinidade com a outra".


Publicada em 26/12/1998, Diário da Manhã

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