01 dezembro, 1997

O Poder, a Política e a Cultura da Perversão

Wanda Marisa Gomes Siqueira*

A cultura da perversão é uma presença constante em nosso dia a dia, mas é nas relações do poder e da política que ela se faz mais presente. Os homens públicos, em 99% dos casos, preferem conciliar a deixar o que entendem ser o confronto do poder, preferem fazer alianças - muitas vezes transigindo com princípios – do que lutar para defender suas idéias.
A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deveria observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. As pessoas jurídicas de direito público e privado,
prestadoras de serviços públicos deveriam responder pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, se esse procedimento perverso fosse rejeitado.
Como esses princípios, via de regra, são violados, é necessário admitir que vivemos sob a égide da cultura da perversão quando deveríamos viver sob a égide da cultura da probidade e moralidade administrativa.
O cidadão brasileiro deve exigir que os políticos respeitem esses princípios para evitar que o aprofundamento da crise moral, econômica, social e ética chegue a limites insuportáveis, sob pena de ser co-responsável e conivente com essa prática que nos coloca em situação
humilhante no cenário nacional e constrangedora no cenário internacional.
Lamentavelmente estamos habituados a conviver com a corrupção na política com a legalização do estelionato, com o fracasso das CPIs, com a falta de lisura nos concursos públicos, com o abuso nas mensalidades escolares, com os altos juros dos bancos, com as multas de 20% das imobiliárias, com a taxa mais alta de mortes em acidentes de trânsito, com o abandono de crianças, com a prostituição infantil, com a falta de programas sérios
para a educação, saúde e segurança.
Porque a situação chegou a esse extremo e qual a responsabilidade de cada um dos brasileiros nesse processo? É o que devemos indagar. Os governantes chegam a pensar que o povo está alienado e, por isso não reagirá. É verdade que não reagiu nem mesmo à corrupção na emenda da reeleição, mas reagiu no movimento pelas DIRETAS JÁ e pelo impeachment, portanto, ainda não perdeu a capacidade de se indignar, logo, a estratégia dos detentores do poder pode falhar.
Enquanto não houver uma reação da cidadania, o executivo e os políticos continuarão pensando que podem violar a Constituição, que as instituições e o Poder Judiciário podem ser enfraquecidos, que os funcionários públicos podem ser demitidos, que os salários podem permanecer congelados, que os privilégios dos políticos podem ser mantidos, que a reforma agrária pode ser adiada, que os impostos podem ser aumentados, que os sem terra, os sem
teto e os sem emprego irão desanimar.
Se for assim, se os cidadãos não esboçarem reações contrárias à política governamental, a crise social será agravada a tal ponto que a utopia das revoluções mais cedo ou mais tarde será retomada.
É verdade que o carnaval e o futebol ainda têm servido de válvulas de escape para as emoções dos brasileiros, mas também é verdade que as letras dos samba-enredos expressam, em sua maioria, o verdadeiro sentimento de nossa gente, sentimento de amor e ódio pelos políticos, de esperança e descrença, de paz e de luta, de tragédia e dor.
Será que os representantes do executivo e os políticos não entendem e não ouvem essas mensagens? Será que estão convictos de que nada será feito para obrigá-los a agir com honestidade e competência na destinação das verbas públicas?
Se for assim, serão surpreendidos, porque o povo não está indiferente, quiçá esteja a espera de um líder que não transija os princípios e que responda à altura à insensatez da política neo liberal seletiva do governo, que atende tão somente aos interesses da elite econômica,
aprofundando sempre e cada vez mais a cultura da perversão.
Os cidadãos brasileiros, ainda que um pouco atrapalhados pelo alienante sistema de comunicação de massa, sabem que os governantes e políticos que praticam atos de improbidade administrativa e violam os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade devem ser punidos com a perda dos bens, com a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e com o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração
percebida, desde que sejam denunciados junto ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.
Não há dúvida de que existe um mal estar generalizado, isso significa que, algo irá mudar, quem, sabe já nas próximas eleições, se os brasileiros tiverem presente o que nos ensinou o psicanalista francês Jacques Lacan "De nossa posição de sujeitos somos sempre responsáveis".
Se for assim, não faltarão espaços para o exercício da cidadania, é muitíssimo provável que os cidadãos brasileiros atendam ao reclamo de lucidez que o momento histórico está a exigir, para dar um basta à cultura da perversão, resgatando assim, os princípios que devem nortear a política e sua relação com o poder e com a administração pública.

*advogada
Publicado na Gazeta Mercantil dia 01/12/97

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