23 março, 2002

Vestibular, um bem ou um mal

Wanda Gomes Siqueira*

Ao aprofundarmos os motivos da ansiedade sentida pelos vestibulandos, tais como medo de ser reprovado, medo de atrasar-se para as provas, medo de ter um branco na prova de Matemática, medo de tirar zero na Redação, medo de decepcionar os pais, sentimento de desespero generalizado, verifica-se que o concurso vestibular transformou-se numa doença que contagia os jovens e seus familiares.
Os sintomas são muitos e variam de pessoa para pessoa, dependendo dos recursos financeiros que dispõe para livrar-se desse mal. As complicações podem ser fatais. Os alunos que freqüentam escolas públicas têm poucas chances de sobreviver (não conseguem ingressar nas universidades públicas e não conseguem concluir o curso nas particulares por falta de recursos), os que freqüentam escolas particulares e cursos pré-vestibular são vítimas dos erros, da omissão e até do abuso de poder das autoridades administrativas. Todos sofrem muito, os sintomas descritos causam infelicidade, dor moral, desespero, depressão, sentimento de injustiça, frustarão, hostilidade, ansiedade, solidão, incompreensão e um vazio inexplicável.
A publicação das listas dos aprovados é motivo de alívio para poucos e de desespero para milhares de vestibulandos.
O paradoxal é que dentre os vestibulandos aprovados também há insatisfação, eis que poucos conseguem ingressar no curso para o qual são vocacionados – quem quer ser médico, consegue vaga em Artes Cênicas, quem quer estudar Música consegue vaga em Pedagogia... O desacerto é total, quem não pode pagar o curso superior só consegue vaga nas faculdades particulares, quem pode pagar consegue na UFRGS, mas na segunda opção; os pobres que conquistam uma vaga na universidade pública, no curso de sua preferência, precisam optar entre o emprego e o curso, porque só há vaga para o diurno. O caos é absoluto. Os pobres que passam no curso de Medicina da PUC ou da Ulbra, não têm recursos financeiros nem para custear a matrícula. A angústia é generalizada.
A cada início de ano o surto dessa moléstia se agrava, e as autoridades responsáveis pela educação pouco, ou quase nada, fazem para combater as causas desse mal que está prejudicando irremediavelmente o futuro dos estudantes de nosso país. Por quê?
Pesquisas revelam que o vício dos entorpecentes que se propagou entre os estudantes secundários de Nova Iorque, foi corretamente ligado ao fato de que um grande número de adolescentes têm poucas perspectivas além do exército e não possui metas positivas e construtivas.
Se os estudantes americanos sofrem por não ter perspectivas de um futuro melhor, é fácil imaginar o que sentem os estudantes brasileiros em relação ao futuro, quando sabe-se que no presente, muitos não têm o mínimo para satisfazer suas necessidades básicas.
Cabe aos governantes a responsabilidade de fazer uma reforma urgente no sistema de ensino em todos os níveis para oferecer aos estudantes acesso a todos os cursos de acordo com a vocação de cada um, porque é sabido que o ser humano não pode viver sem perspectiva de um futuro melhor e que, se não estiver evoluindo em direção ao seu desejo, acaba por estagnar-se; as potencialidades transformam-se em morbidez e, não raras vezes, em atividades destrutivas, como o uso de drogas. A reflexão que se impõem neste momento é saber se o concurso vestibular é um bem ou um mal; se o processo seletivo é democrático; se as provas selecionam os mais capazes, se as universidades públicas podem cerrar suas portas para os cursos noturnos; se os jovens têm o direito de questionar os erros e a nulidade de concursos, de provas, de questões; se devem combater esse mal que o concurso vestibular está causando; se devem lutar para que o acesso ao nível superior de ensino seja um bem e não um mal?


*Advogada
23/03/2010

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