É momento de relembrar Marco Túlio Cicero no qual me inspirei em 2017 para escrever algumas reflexões sobre a República de Roma e a República do Brasil e a violência praticada contra os advogados que defendem os injustiçados em todos os tempos.Lamento que o destino de alguns advogados assassinados na defesa de seus clientes em vários recantos de nosso país em tempos modernos tenham o mesmo fim desse grande advogado romano.Ressalto ainda, que a prova dos atos de abuso de poder contra os advogados tem sido publicizada pela OAB e pelas Comissões de Defesa das Prorrogativas da Advocacia.
Reflexões sobre a República de Roma na época das Catilinárias e a República do Brasil na época das Temerárias
O romance de Taylor Caldwell que trata da vida fascinante de Cícero no tempo de César e Pompeu no período da decadência da democracia romana leva o leitor a concluir que tanto na República de Roma quanto na República do Brasil as causas da decadência dessas duas repúblicas estão relacionadas aos atos de improbidade e imoralidade administrativa e de grave afronta à Constituição.
Personagens como Júlio César, Catilina, Cúrio e outros (em Roma) e como Michel Temer. Cabral, Cunha e outros (no Brasil ) , arruinaram as conquistas e o legado cultural, ético e econômico deixado pelos antepassados ao violarem direitos fundamentais dos cidadãos para atender interesses dos poderosos.
O silêncio dos agentes públicos éticos e honestos - por omissão, corporativismo ou receio de represálias - acaba beneficiando políticos aéticos e perversos que vendem votos no Congresso Nacional para arquivar denúncias contra o Presidente da República.
O grande romano Marco Túlio Cícero – o pilar de ferro - orador, filósofo e político, conhecido como o maior advogado de sua época, eleito cônsul em 63 a.C enfrentou a conjuração de Catilina, seu rival derrotado, que pretendia tomar a força o poder.
Cícero manteve correspondência com o historiador Salústio falando dos fatos que assoberbavam o mundo romano, sem imaginar que esses mesmos problemas que o inquietavam (corrupção, traição, falta de ética, sangramento do erário público, assassinatos, violação da Constituição) iriam se repetir no mundo moderno.
Nas cartas que dirigiu a Júlio César e nos discursos perante o Senado Romano dirigidos contra Lúcio Catilina, deixou transparecer que a Constituição Romana era a sua mais forte devoção terrena.
A devoção desse romano corajoso e ético remete aos votos de alguns juízes e advogados e, especialmente, aos discursos e votos do Ministro Ayres Brito no STF que deixou transparecer seu respeito a Constituição Brasileira, dando ênfase ao artigo 37 que determina que os agentes públicos respeitem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência - o ministro poeta costuma dizer que o artigo 37 “é a cereja do bolo da nossa Carta Magna”.
É de lamentar que poucos pensem assim!
Os discursos de Cícero no Senado Romano contra o político inescrupuloso Catilina causava mal estar entre os canalhas e, por essa razão, deveriam ser citados pelos bons políticos no n Congresso Nacional nos discursos contra políticos inescrupulosos e pusilânimes durante as votações de emendas e projetos e, com coragem cívica nos casos que envolvem evasão de divisas, lavagem de dinheiro, corrupção, obstrução da justiça e tráfico de influência, considerando a similitude entre os atos de improbidade , denunciados por Cícero no Senado Romano.
.Mais de dois mil anos separam a República de Roma da República do Brasil ,mesmo assim. políticos corruptos dessas duas repúblicas não mudaram, continuam sangrando os cofres públicos como sempre fizeram nesses dois milênios de história.
Em “ As Catilinárias”,Cícero uniu reflexão filosófica à ação pública: (...) “ Ó romanos, visto que já tendes presos e apanhados os chefes ( os cabeças) criminosos ( desta) guerra muito iníqua e muito perigosa, deveis julgar ( pensar) que se malograram ( que caíram) todas as tropas de Catilina, todas as ( suas) esperanças e ( todos os seus) recursos, expulsos esses perigos da cidade. Na verdade, quando ( eu) expulsava este da cidade, providenciava isto no espírito, ó romanos, que, afastado Catilina, nem devia ser temida por mim a temeridade furiosa de Caio Cétego, nem o sono de Públio Lêntulo, nem a obesidade de Lúcio Cássio.”
Falta escrever sobre as Temerárias que suprimem direitos, mantém o trabalho escravo, reduzem verbas do FIES e do PROUNI, oferecem banquetes aos congressistas e nomeiam ministros envolvidos em inquéritos e denúncias.
Discursos semelhantes aos de Cícero, ao pronunciar as quatro Catilinárias, 63 a.C, fez malograr a conjuração de Catilina, político romano que tramava um golpe de Estado não encontram eco no Congresso Nacional quando raros políticos tentam conter a inescrupulosa venda de votos para aprovar ou rejeitar projetos e até mesmo para arquivar denúncias.
Cícero, secundando Aristóteles, já dizia que “os países que ignoram a História estão fadados a repetir suas tragédias”. Na República do Brasil estamos fadados a repetir as tragédias gregas e romanas porque os pós-modernos acreditam que a História acabou com a queda do Muro de Berlim.
Nossos governantes, com raríssimas exceções, não dão ênfase à educação humanística porque consideram que dar tempo ao pensamento, para respirar a Antiguidade, seria dar tempo ao ócio. Preferem dar tempo ao negócio!
O pensamento utilitarista, marca da nossa sociedade, faz com que os agentes públicos da República do Brasil esqueçam que a Filosofia e a História deveriam estar coladas às vidas ao invés de serem riscadas do currículo de ensino.
Repugna ao bom senso lembrar que governantes e sociólogos que se preocuparam com a educação brasileira não foram valorizados em seus tempos e hoje há até quem os despreze, especialmente, aqueles que valorizaram a criatividade, a inteligência e a espiritualidade das gerações de milhões e milhões de mestiços (pardos) que enriquecem nossa cultura.
Na República de Roma, Ático chegou a escrever que Cícero não chegaria a ser apreciado enquanto vivesse, mas que: “ gerações ainda por vir hão de ser o receptáculo de tua sabedoria e tudo o que haja dito ou escrito haverá de servir de conselho aos países ainda desconhecidos “.
Cícero ensinou aos romanos que o poder sem lei é o caos e que o Direito não se origina no homem e sim em Deus e que existe uma força que não nasce das armas, mas do coração e da alma dos homens decentes. Foi justo em todas as suas ações, protetor dos oprimidos, prudente nas decisões e sedento de justiça.
Cícero teve como mestre o advogado Cévola, combativo advogado romano, conhecido como o terror dos senadores venais. O velho advogado sentia pelo discípulo um amor paternal e certa vez , depois de um atentado contra Cícero disse-lhe: “ Júlio César é um mentiroso. Manipula a verdade admiravelmente, a fim de que ela sirva a seus propósitos, é capaz de sobreviver a Sila” ao que Cícero respondeu: “Não posso acreditar que Júlio a quem tanto estimo , tenha sido responsável pelo ataque à minha vida “. Cévola disse mais : “ Sempre faça o maior número de amigos que lhe seja possível . Se você tiver uma enormidade de amigos, é possível que, numa emergência, você possa contar com um – se tanto”.
Cévola foi assassinado logo após uma defesa feita por Cícero no Senado Romano. Naquele dia havia somente trinta senadores presentes , apenas alguns eram homens íntegros. Os depravados estavam preocupados com a coragem e o idealismo de Cícero na defesa de seu cliente acusado injustamente. Dentre eles encontrava-se o senador Cúrio homem péssimo e corrupto, amigo intimo dos Catilinas, sempre pensando se a espada oculta de Cévola não o estaria protegendo.
Cícero foi tomado de enorme pesar com o assassinato de seu mestre. Mas os assassinos jamais foram descobertos. Os senadores, tribunos e cônsules, cinicamente, expressaram seu horror e seu ódio. Poucos compareceram ao enterro.
Na República do Brasil, esse cinismo já não surpreende, muitos deputados e senadores expressam cinicamente sentimentos de pêsames quando homens públicos, com o perfil de Cévola ou de Cícero são assassinados e logo esquecem, como em Roma, no Brasil os assassinos raramente são identificados .
Marco Túlio Cícero , vestindo a toga branca e levando uma espada à cinta pronunciou a oração fúnebre: “ Não é Cévola que deve ser vingado. É Roma que deverá ser vingada. Um patriota foi silenciado para sempre; e quando patriotas morrem, as espadas dos homens de bem não podem ser embainhadas enquanto não estejam avermelhadas pelo sangue dos traidores. Diz-se que os assassinos eram três. Mentira, havia uma nação de assassinos. Um povo corrupto e vicioso autorizou essa morte, sua apatia, mesquinhez, covardia e falta de patriotismo. Há muito tempo que ele fora sentenciado à morte. O povo não está isento de culpa. Devemos vingá-lo não o esquecendo nunca, combatendo os tiranos, a fúria e as traição que habitam os corações dos homens maus. Que sua morte não tenha sido em vão.”
O povo brasileiro não ficará isento de culpa se nas eleições de 2018 elegerem políticos com o mesmo perfil de Catilina e Júlio César eis que têm o direito e o dever de exigir satisfações dos agentes públicos sobre o o assalto ao erário e o enriquecimento ilícito de corruptos e corruptores. Não são os políticos brasileiros que devem ser vingados, é o Brasil que deve ser vingado!
Cícero certa vez confessou melancolicamente que não tinha o dom de parecer feliz e não conseguia encontrar a paz porque não cedia em coisas contrárias aos seus princípios. Como Cícero, muitos brasileiros confessam sentirem-se infelizes porque não conseguem transigir com princípios.
Na República do Brasil faltam Cíceros e sobram Catilinas e os problemas semelhantes entre as duas repúblicas estão a exigir que a sociedade brasileira fique alerta porque se na República de Roma houve assassinatos com punhal e envenenamento na República do Brasil há assassinatos disfarçados de acidentes aéreos, assassinatos com corpos carbonizados em automóveis e violência urbana e no campo.
Enquanto as operações da Policia Federal desvendam esquemas de fraude em precatórios, em licitações (obras publicas e merenda escolar ), em concursos públicos, corrupção sistêmica , evasão de divisas, enriquecimento ilícito e tráfico de influência o povo mantém-se em doloroso silêncio e as instituições se enfraquecem.
É triste e até constrangedor afirmar que nesses cento e vinte e oito anos da Proclamação da República do Brasil não temos muito a comemorar.
Felizmente, inspirados em Cícero, temos muito a indagar: ’Quosque tandem abutere, Catilina, patentia nostra?
(...)” A quinta espécie é a dos patricidas, dos sicários, finalmente de todos os fascinorosos : que eu não separo de Catilina, porque nem podem desligar-se dele; que morram certamente no latrocínio, porque são de tal maneira numerosos , que a prisão (o cárcere)não pode contê-los”.
Rogo a Cícero, com quem a Fé (dos judeus) e a Razão (dos gregos) andaram juntas, que nos intua a escrever ‘‘As Temerárias’’, no mesmo tom em que ele escreveu ‘As Catilinárias’, para registrar que a corrupção sistêmica que avassala e envergonha nosso país perante o mundo deve ser combatida com amor à Constituição.
“ Eu confio que a estes (homens) algo fatal está iminente e que a pena (o castigo) há muito devida à improbidade,à perversidade, ao crime, à dissolução, ou ameaçam já abertamente ou por certo se aproximam já”(...) ”Os homens de boa vontade, cônscios da Lei prescrita por Deus, opor-se-ão aos governantes que dependam exclusivamente do capricho de outros homes e - caso desejem sobreviver como um país – destruirão o governo que tente fazer justiça pela força ou por intermédio de juízes venais .
Até quando Presidente Temer abusarás da paciência do povo brasileiro?
* Wanda Siqueira
advogada